Semente crioula é uma herança de sabedoria que recebemos de nossos ancestrais. Elas guardam em si a riqueza natural das nossas terras e, por essa razão, devem ser preservadas e disseminadas. No cenário atual, a agricultura familiar exerce papel fundamental no cultivo e preservação deste rico material genético.
De maneira geral, a semente é a primeira etapa da cadeia alimentar. Por meio de sementes é que se tem origem de praticamente de todos os alimentos (arroz, feijão, milho, hortaliças etc.).
O município de Arroio do Meio (RS) realiza anualmente o Encontro de Sementes Crioulas que neste ano chegou a sua 16ª edição. O evento que ocorreu no dia 25 de maio na Praça Flores da Cunha reuniu agricultores, técnicos, representantes de entidades e lideranças.
Organizado pela Emater/RS-Ascar o encontro foi realizado em parceria com diversas entidades que integraram a Semana Brasileira do Alimento Orgânico. Com o tema “Guardiões de sementes: esperança de multiplicação”, o objetivo foi promover não apenas o resgate, mas as perspectivas de uso e a valorização das sementes crioulas.
Parte central desse trabalho, os guardiões funcionam como verdadeiros bancos de preservação de materiais genéticos ancestrais, que podem ser desde estacas e raízes a bulbos e sementes, entre outros. “Esses bancos estão, em muitos casos, ligados ao ambiente em que se desenvolvem, sendo essa troca importante pelo intercâmbio com outras localidades, o que amplia a variabilidade e a rusticidade dessas sementes”, comenta o extensionista da Emater/RS-Ascar Marcos Schafer, que afirma ainda ser este um modelo que preserva questões culturais, históricas e sociais dos povos ou comunidades envolvidas.
Guardiã de sementes há 19 anos, a agricultora Heleza Weizenmann afirma que a produção e a multiplicação de matrizes são muito mais uma filosofia de vida do que algo pensado do ponto de vista econômico, ainda que tanto ela quanto sua filha Edna participem de diversas feiras de produtores locais, comercializando frutas e hortaliças orgânicas. Em sua propriedade, mantém variedades crioulas de feijão, milho, aipim, cana e alho. “A nossa preocupação envolve não apenas manter uma alimentação saudável, mas também poder propagar esses materiais, trazendo-os para os eventos”, analisa.
A agricultora destacou ainda a oportunidade de poder trocar espécies “diferentes”, que nem sempre se tem acesso. “Eu mesmo trouxe moringa, que obtive num encontro nacional em outro Estado”, cita. Outras opções, como o calistemo, fundamental para a propagação das abelhas e para a biodiversidade, também foram trazidas por Helena. “São formas de a gente ir passando adiante esses conhecimentos, é algo muito prazeroso pra quem cultiva”, afirma, citando a diversificação como ponto chave. “Tem uma juventude vindo pela frente e é importante refletir sobre o consumo, sobre como estamos nos alimentando”, pontua.
Indo ao encontro do que comentou Helena, a extensionista da Emater/RS-Ascar Tatiane Turatti realizou palestra em que promoveu reflexão sobre a importância da alimentação saudável, estabelecendo relação com a produção de sementes crioulas. “Essa é uma questão de saúde pública, que vai na contramão do que prevê a indústria, com seus produtos alimentícios embalados em pacotinhos brilhantes, coloridos e que geram uma falsa ilusão de que somos capazes de fazer boas escolhas”, salientou, lembrando que se alimentar bem tem a ver mais com qualidade do que quantidade.
Citando o comprometimento com a biodiversidade possibilitado pelos guardiões e pelos agricultores que trabalham a partir de bases ecológicas, Tatiane frisou a importância de frear a “erosão genética”, que reduz drasticamente o número de variedades vegetais disponíveis. “Quantos tipos de alface tínhamos a disposição no passado, nos tempos dos nossos avós?”, provocou, estabelecendo comparativo com a atualidade. “Tudo isso coloca a agricultura familiar como uma verdadeira riqueza a ser preservada, uma vez que as sementes crioulas são uma forma de resistência ao sistema alimentar que nos é imposto”, concluiu.
Fonte: Emater/RS-Ascar