Como todos os quase 32 mil estudantes de Ensino Fundamental da rede pública de Caxias do Sul, Sophya Domingues Marcos, deve se apresentar na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Ruben Bento Alves, no Loteamento Vila Ipê, todos os dias, a partir das 7h30. Como muitos desses estudantes, ela se dá ao trabalho de pedir para o pai acordá-la cerca de uma hora antes do necessário, porque, afinal, não é de qualquer jeito que se vai para a aula quando se tem 13 anos e se está no 7º ano.
Como vários desses estudantes, Sophya tem o cabelo escuro e cacheado. Só que ao contrário de tantos colegas de traços físicos semelhantes, sua intenção com o tempo extra de camarim em casa não é de esconder ou disfarçar os fios, mas valorizá-los em tranças preparadas com todo o cuidado. Mais do que uma turbinada na autoestima, o senso estético apurado e a inspiração nas raízes africanas lhe renderam também o prêmio no concurso que escolheu a arte para a logomarca de um novo núcleo implementado pela Secretaria Municipal de Educação (SMED): o QuERER – Qualificar a Educação para as Relações Étnico-Raciais.
![](https://celsosgorlla.com.br/wp-content/uploads/2022/09/Racial-2.jpg)
“Quando saiu o resultado, ela ficou nervosa, porque não é uma coisa que acontece todo dia. Ela tem um talento para desenho e pintura que tu não imaginas. No quarto, pintou até nas portas e nas paredes. Nessa figura do prêmio ela se baseou em imagens africanas que passaram na escola, porque tem essa descendência por parte de mãe. Nós incentivamos, para ver se os filhos vão para a frente, porque não tivemos tanta sorte”, revela orgulhoso o mecânico de máquinas e eletrodomésticos Jorge João Marcos, pai da estudante.
A efígie feminina negra, de cabeleira espessa adornada por um pente-garfo vermelho, no centro de uma mandala colorida criada por Sophya representa agora o trabalho da equipe pedagógica da SMED que percorre todas as 83 Escolas Municipais de Ensino Fundamental, as 48 Escolas de Educação Infantil de gestão compartilhada e ainda presta suporte para a rede estadual no desafio diário de remover o véu de invisibilidade que cobre diferentes formas de preconceito impregnadas na sociedade.
O QuERER entrou em operação em 2021, com a atribuição específica de promover, orientar, coordenar e monitorar a educação das relações étnico-raciais.
“É um projeto de combate ao racismo e à intolerância às diversidades na sociedade brasileira assumido como política de Estado em 2003. Desde o ano passado e até o momento, realizamos encontros de formação e provocamos as equipes diretivas e coordenações pedagógicas para que estes profissionais, em um primeiro momento, entendam que vivemos em uma sociedade estruturalmente racista, que cada um possa se enxergar nesta sociedade e comece a pensar em mudança de posturas, em observar seu vocabulário, as expressões que usa…”, descreve a assessora pedagógica Joelma Couto Rosa, especializada em Psicopedagogia Clínica e Institucional – ela própria professora da rede municipal desde 2010, ex-coordenadora e vice-diretora de escola.